“Sabesp é estratégica, fundamental e patrimônio do povo paulista”, afirma presidente do Sintaema

“Sabesp é estratégica, fundamental e patrimônio do povo paulista”, afirma presidente do Sintaema

José Faggian, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema). Foto: Sintaema

O debate sobre a privatização da Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp) voltou à tona no último processo eleitoral e, principalmente, com a eleição de Tarcísio de Freitas para o governo paulista, que não esconde sua intenção de entregar a empresa à gestão privada.

Sobre o tema, entrevistamos José Faggian, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, o Sintaema, que tem apontado o caráter estratégico da empresa e sua importância social, inclusive como forma de garantia do direito humano de acesso à água.

Faggian alerta que as experiências de privatização pelo mundo e no Brasil provocaram, necessariamente, aumento na tarifa e queda na qualidade de serviço prestados à população. “A Sabesp é um patrimônio do povo paulista, é uma empresa lucrativa há décadas, uma empresa que presta um serviço de excelência bem avaliado pela população, que hoje gera mais de doze mil empregos diretos – funcionários contratados diretamente por meio de concurso –, além dos terceirizados, e movimenta toda uma cadeia econômica de fornecedores”.

EMPRESA É LUCRATIVA

Em relação aos lucros, apenas no terceiro trimestre de 2022, a Sabesp registrou lucro líquido de R$ 1,1 bilhão, uma alta de 130,7%, em relação ao lucro de R$ 468,6 milhões no mesmo período do ano passado, de acordo com os dados divulgados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

“Além de ser lucrativa, de não tirar um real sequer dos cofres do Estado de São Paulo há mais de uma década – como é uma empresa de economia mista e o Estado é o maior acionista –, ela ainda paga dividendos. Ou seja, além de não tirar, ela põe dinheiro no cofre do Estado numa média de R$ 500 milhões nos últimos quatro anos, que o governo pode destinar a outras áreas”, ressaltou Faggian.

O presidente do Sintaema explica que a estatal atua em 375 dos 645 municípios paulistas, sendo que a maior parte destes possuem até 20 mil habitantes. Atendendo cerca de 80% da população, a empresa utiliza a lógica de subsídios cruzados. Uma lógica parecida com a dos Correios. “Esses municípios deficitários, se fosse do ponto de vista do lucro, do ponto de vista puramente econômico, eles não seriam viáveis. O que a Sabesp consegue fazer hoje? Ela faz o chama de subsídio cruzado, ou seja, destina uma parte do lucro dos municípios rentáveis aos municípios deficitários”, disse.

Contudo, a iniciativa privada jamais usaria o lucro de determinadas regiões para financiar o saneamento nos lugares que lhe trariam prejuízo. “Não se trata de ser do bom ou mal, trata-se da natureza do setor privado. Ele não vem para fazer saneamento, vem para ter lucro. Esse é mais um elemento que demonstra que a privatização da Sabesp vai ser um grande prejuízo, principalmente para esses pequenos municípios. Por isso o saneamento não pode ser tratado como mercadoria”, continua.

Como uma empresa de capital misto, a Sabesp tem 50,3% das ações pertencentes ao governo estadual, mantendo a característica de empresa pública. “O único interessado na privatização da Sabesp é quem vai comprá-la, é o mercado que tem o interesse gigantesco porque é uma empresa bem estruturada, lucrativa, a terceira maior empresa de saneamento do mundo, a maior da América Latina. Então, os únicos interessados na privatização da Sabesp são as pessoas que querem comprá-la para obter lucro”, alerta Faggian.

NOS PAÍSES ONDE SANEAMENTO FOI PRIVATIZADO, TARIFA AUMENTOU E SERVIÇOS PIORARAM

Ao tratar da intenção do governador eleito, Tarcísio de Freitas, sobre realizar estudos para uma possível privatização, Faggian lembra que o interesse do mercado na empresa vem de longa data. “Para a gente não ir muito longe, o Dória, que possui uma característica altamente privatista, já havia ameaçado uma privatização, mas encontrou resistência nossa e da população. Quando você vai perguntar para população em relação a privatização, a maioria é contra. Lógico que todo serviço, toda empresa tem coisa para melhorar, mas a população é contra”, lembrou.

Quando Tarcísio chegou em São Paulo “tentou embarcar nessa onda, falando talvez para um público que quer comprar a Sabesp, porque na prática é isso, e quebrou a cara. Porque a gente fez uma pressão grande, conseguimos trazer o debate em relação à importância do saneamento, a importância de ser público e mostrando os malefícios para a população caso a Sabesp fosse privatizada”.

“Isso gerou um mal-estar muito grande para a campanha do Tarcísio e ele teve que fazer uma inflexão. Já na campanha ele fez essa inflexão na narrativa. Continua dizendo que vai fazer um estudo para ver a viabilidade da privatização da Sabesp e que só vai privatizar se o serviço melhorar e a tarifa reduzir”, continuou.

Agora Tarcísio fala em fazer estudos para atestar a viabilidade de uma privatização. “Se ele cumprir o que está falando, a Sabesp não vai ser nunca privatizada. Porque a gente tem um histórico gigantesco, inclusive mundial, de países como a França, em Paris, onde teve início esse processo de privatização do serviço de saneamento, na Alemanha, em Berlim, na Argentina, Buenos Aires, e outras grandes cidades do mundo e do próprio Brasil, como é o caso de Manaus. E onde os serviços de saneamento foram privatizados a tarifa aumentou e os serviços pioraram”, disse Faggian.

O estudo “O Futuro é Público”, publicado pelo Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda, aponta que de 2000 a 2019, 312 cidades em 36 países reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto. Entre elas, Paris (França), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina) e La Paz (Bolívia). Todo esse processo ocorreu após aumento extorsivo das tarifas e promessas de universalização não cumpridas, consequências da busca pelo aumento dos lucros.

Com a intenção de privatizar, São Paulo vai na contramão das experiências do mundo. “A gente está falando da Sabesp aqui, mas na verdade isso é um processo nacional. A gente teve uma mudança na legislação federal recentemente, que tem por objetivo esse ponto de privatização de saneamento. Agora, lógico, a Sabesp é a maior empresa do país, e por isso o maior alvo do grande capital”, alerta o sindicalista.

O estudo também aponta que a contratação de empresa privada para entrega de um serviço envolve custos extras imediatos devido à transferência de dinheiro às empresas-mãe e acionistas, apresentados como custos extras para compensar suposta “inovação” e “economia de escala” e maior eficiência do que serviços públicos. “Mas as supostas ‘inovação e eficiência’ do setor privado, muitas vezes, se resumem à implementação básica – e no longo prazo, muitas vezes, prejudicial – de políticas de corte de custos”, enfatiza o estudo.

“Esses são alguns argumentos que demonstram que não há nada plausível, nada que justifique a privatização da Sabesp. É um patrimônio do povo paulista, que foi construído ao longo de décadas”, enfatiza.

Foto: Sintaema

SAÚDE PÚBLICA E DIREITO À ÁGUA

Faggian acredita que a queda na qualidade dos serviços e o aumento nas tarifas são fatores que sensibilizam uma parcela considerável da população, talvez sua maior parte, mas alerta que o saneamento é fundamental também para a saúde pública. “Inclusive o direito à água é um direito reconhecido pela ONU e todo ser humano, independente da capacidade de pagar pelo serviço, de pagar pela água, tem que ter o direito ao acesso.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), saneamento é o controle de todos os fatores do meio físico do homem que exercem ou podem exercer efeitos nocivos sobre o bem-estar físico, mental e social. É um conjunto de ações socioeconômicas que tem por objetivo alcançar a salubridade, como instrumento de promoção da saúde.

Faggian destaca que a Sabesp, por ser um patrimônio do povo brasileiro, uma empresa consolidada e lucrativa, cumpriu e cumpre um papel fundamental para a saúde pública no estado, inclusive durante a pandemia de covid-19. “Uma das principais orientações durante a pandemia era a de lavar as mãos com frequência, não é? Nesse contexto, a água tratada, de qualidade e fornecida regularmente foi ainda mais fundamental. Além disso, a Sabesp instalou na cidade de São Paulo lavatório e bebedouros públicos, caixas d’água e durante a pandemia higienizou as ruas. Além disso, dentro dessa questão social, suspendeu todos os cortes por motivos de inadimplência, coisa que uma empresa privada jamais faria”, disse o sindicalista.

Durante a pandemia, a Sabesp promoveu a isenção de tarifas para 2,5 milhões de moradias e suspendeu o corte de fornecimento por inadimplência. Também distribuiu 6.500 caixas d’água e instalou 530 lavatórios públicos para que a população pudesse higienizar as mãos.

Para além da pandemia, o saneamento tem um papel fundamental na saúde da população. “Tanto é que quando a gente faz o saneamento nos municípios que ainda não são operados pela Sabesp e que não têm um serviço tão bom de saneamento. A gente começa a fazer o saneamento da maneira adequada. Eu sempre digo isso, até com um pouco de orgulho, que a o primeiro indicador que muda é o índice de mortalidade infantil. As doenças de veiculação hídrica ainda são um fator muito importante nessa questão da mortalidade infantil e de outros problemas”, explica o presidente do Sintaema.

Como garantia de prestação de serviços à população, principalmente às populações mais vulneráveis, a Sabesp é uma empresa estratégica. “Isso não quer dizer que a empresa que faz o saneamento não pode ser lucrativa, tanto que a Sabesp é muito lucrativa, mas não pode ter como primeiro objetivo o lucro. Por isso o serviço de saneamento em geral, na nossa avaliação, deve ser prestado pelo Estado. Ou pelo menos que o Estado tenha uma empresa que coordene, que organize e que gerencie esses serviços”, diz.

O Brasil é um país que está entre as maiores economias do mundo, mas quando o assunto é saneamento básico ocupa a 112ª posição em um conjunto de 200 países e a tão sonhada universalidade do saneamento ainda é uma realidade a ser perseguida.

Foto: Sintaema

MOBILIZAÇÃO CONTRA A PRIVATIZAÇÃO

Com a perspectiva de ampliar o debate em torno do tema, o presidente do Sintaema afirma que a entidade tem se preparado para atuar em diferentes frentes no próximo período em defesa da garantia de saneamento como direito fundamental.

“A mobilização é constante e esse processo de luta está ocorrendo em três frentes: o primeiro deles é a mobilização da categoria; o segundo, um processo político, o que já fizemos na campanha, de conversar, tanto aqui na Assembleia Legislativa de São Paulo, mas principalmente com os prefeitos e câmaras de vereadores. Eu rodei no último ano aproximadamente uma centena de municípios, conversando com prefeitos e conseguimos aprovar moções em várias delas. É importante que a gente conscientize esses prefeitos e as lideranças locais, principalmente dos pequenos municípios, do prejuízo que vai ser para a população deles se a Sabesp for privatizada. Essa seria a luta mais política”, conta Faggian.

Uma terceira frente é a luta jurídica, a exemplo da situação dos trabalhadores da empresa de saneamento do Rio Grande do Sul, cujo leilão foi suspenso por 90 dias, por meio de decisão liminar. “A situação deles é parecida com a nossa e estamos buscando na Constituição Paulista, que prevê que o serviço de saneamento deve ser prestado, organizado e fiscalizado por uma empresa do estado. Esses são elementos para barrar a privatização da Sabesp. O próximo ano deve ser bastante intenso nessa resistência”, continua.

O sindicalista aponta a criação de uma mesa de debate no Fórum Social Mundial, que acontece no final de janeiro em Porto Alegre. “Estamos construindo uma mesa de debate. Inclusive, estou em contato com os companheiros da CORSAN [empresa de saneamento do Rio Grande do Sul]. A ideia é construir uma mesa nacional de debates contra a privatização do setor”, conta.

“Vamos construir aqui no Brasil um movimento que estamos chamando de ‘fevereiro azul’, que deve contar com os sindicatos do Brasil todo. Provavelmente vamos ter a nossa federação, que é a Fenapema, a qual o Sintaema é filiado, e tem a FNU, ligada à CUT, que também é importante”.

Em março, o Sintaema participará da Conferência Mundial da Água, em Nova York. “Temos então uma frente de mobilização da população, movimentos sociais e da categoria. A luta política, trabalhando com os municípios, com os prefeitos, câmaras de vereadores. A exemplo da Alesp, que temos a Frente Parlamentar Contra a Privatização, de repente tentar construir uma frente de prefeitos, uma vez que todo o serviço de saneamento, o poder concedente, o ‘dono’ é o município, ele continua municipal. Por isso a opinião dos prefeitos e dos vereadores é muito importante.

“A privatização da Sabesp não é um problema só dos trabalhadores da Sabesp, muito pelo contrário, vai afetar profundamente a vida de muitos milhões de paulistas e paulistanos. Trazer a população, movimentos sociais e a categoria é fundamental”, concluiu Faggian.

RODRIGO LUCAS PAULO

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