A presença ativa da primeira-dama Janja Lula da Silva ao lado do presidente Lula (PT) tem gerado intensos debates no atual cenário político brasileiro. A questão central é se é apropriado para uma primeira-dama assumir um papel político tão proeminente. Segundo uma pesquisa inédita da Paraná Pesquisas, a resposta é um “sim” na opinião de 65% dos brasileiros. Isso revela que a maioria da população apoia e reconhece a importância do papel desempenhado por Janja ao lado do líder petista.
Os dados dessa pesquisa exclusiva, realizada entre os dias 16 e 21 de maio de 2023 em todo o país, mostram que apenas 35% dos entrevistados discordam do protagonismo de Janja nas viagens e reuniões políticas ao lado do presidente Lula.
Apesar do expresso número, o papel político de Jana continua atrás da cortina do que representa um governante para um país. A doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que pesquisa o papel da primeira-dama na política, em entrevista exclusiva ao OPINIÃO CE, Moíza Medeiros, acredita que a ascensão do papel de primeira-dama diz respeito à ausência de políticas públicas e de sistemas públicos de proteção social durante a história do Brasil e dos demais países da América Latina.
A primeira-dama, Janja Lula da Silva, durante evento de posse da presidenta da Funarte, Maria Marighella, no centro do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
“Na América Latina, temos nomes como Eva Perón, a Evita Perón, que foi considerada a “mãe dos desamparados”. E também temos isso na Argentina, com Darci Vargas, que é contemporânea de Eva Perón e esses são nomes de mulheres que foram se forjando nos anos 40, primeiras-damas que foram aparecendo com essa pegada de ‘mãe dos pobres’, de ‘mãe da pobreza’, devido à característica dos estados latino-americanos e do estado brasileiro da época, que tinham uma proposta extremamente assistencialista com a ideia de ação social. Então, na ausência de políticas públicas e de sistemas públicos de proteção social, entra essa ‘mãe’ com ações filantrópicas, caritativas”, contextualiza a socióloga.
Ainda segundo a docente, não foi dado um espaço para a população participar da política nas democracias latino-americanas, uma vez que a política sempre ficou concentrada nas mãos das elites. Nesse cenário, as elites criaram estratégias de controle da população pobre.
“São mecanismos de controle e subserviência. Tem a ver com a cultura do favor que se estabeleceu aqui e em demais países. E a primeira-dama entra como um governo e, ao mesmo tempo, não é governo, porque ela acaba tendo gabinetes, ela acaba ocupando secretarias, ela acaba decidindo o rumo, inclusive hoje, das políticas públicas. (…) Ela representa o Estado, mas não é de fato o Estado, porque ela não foi votada para estar ali. Ela simplesmente é a esposa do governante”, critica Medeiros.
NO CEARÁ
No Ceará, a primeira-dama Lia de Freitas, esposa do governador Elmano de Freitas (PT) desempenha exatamente seu papel na área social, mais precisamente no combate às desigualdades e a fome.
Lia de Freitas, primeira-dama do Ceará. Foto: Beatriz Boblitz
Em entrevista ao OPINIÃO CE, Lia entende que as ações da primeira-dama avançam em seu papel político. “O papel da primeira-dama tem sido bastante relevante nos últimos anos, por assumirem programas de prioridade do Governo do Estado, com ações de articulação e de intersetorialidade para as políticas públicas poderem fluir e caminhar com rapidez e eficiência. É um olhar zeloso para que essas ações, especialmente voltadas ao público mais carente, sejam implementadas, monitoradas e avaliadas, visando melhorar a vida das pessoas em situação de vulnerabilidade”, conta Freitas.
Lia destacou o programa Ceará Sem Fome, sendo uma ação permanente, que integra todas as políticas sociais e de transferência de rendas do Estado, como também vem pactuar com ações do Governo Federal, de iniciativas privadas, do terceiro setor, entre outros, para que se possa tirar o Estado do mapa da fome.
Dentro desse programa também temos o Comitê Intersetorial de Governança, que terá a participação de 15 secretarias do Estado, da Cruz Vermelha, da Defesa Civil, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e de representantes da sociedade civil para avaliar todas as ações já existentes de erradicação da pobreza para fecharmos, todos juntos, metodologias que priorizem as ações de segurança alimentar.
Para Christiane Leitão, primeira-dama do Parlamento da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), ser primeira-dama é uma função de grande responsabilidade, mas também bastante recompensadora por todos os resultados exitosos.
Christiane Leitão, primeira-dama da Assembleia Legislativa do Ceará. Foto: Beatriz Boblitz
“Desde quando o Evandro assumiu a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Ceará em 2011, o nosso propósito sempre foi de auxiliá-lo na busca de melhorias para o nosso estado, sobretudo na causa das pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade. Nesse novo momento, onde estamos na gestão do parlamento, assumimos o papel de primeira-dama com muito orgulho, adotando uma gestão sistêmica, voltada aos critérios ESG, fundamentada nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) implantados pela Organização das Nações Unidas (ONU)”, revela Christiane.
PAPEL SOCIAL DA MULHER
A pesquisadora vai além. Em sua tese, a mulher que cuida e é bondosa, na história brasileira, é comum. Algumas profissões, inclusive, surgem com essa “pegada extremamente feminina”, como Enfermagem, Pedagogia, Serviço Social.
“Essas profissões são consideradas profissões típicas de mulheres. Por quê? Porque a gente entende historicamente que o lugar da mulher é o lugar desse cuidado. A partir do momento que crio mecanismos de proteção social que passam por essa linha do cuidado, a gente vai colocando essas profissões para as mulheres. E não difere no caso da primeira-dama. (…) Isso vai à contramão do movimento feminista no sentido da ampliação dos direitos sociais. Lutamos no movimento feminista para as mulheres terem espaço na política, mas não apenas um espaço na política a partir do recorte de gênero”, defende Moíza.
MARISA NÃO, JANJA SIM
No governo passado do presidente Lula, por exemplo, a pesquisadora analisa que não se via a ex-primeira-dama Marisa se envolvendo com o contexto político de Lula. Mas por que ele permite que a Janja se envolva e tenha participação na campanha?
“Essa é uma análise muito particular minha. Talvez seja uma forma de combater o perfil criado com o Bolsonaro e com o Temer, em relação às duas primeiras-damas anteriores. É uma maneira dele desconstruir também por meio da vida das esposas dos governantes, que tiveram muita força política, especialmente no governo Bolsonaro, em que Michelle Bolsonaro teve muita projeção. Então, pode ser uma forma dele também ganhar capital com o povo mais conservador, colocando a Janja na linha de frente. No entanto, assumindo o compromisso de que ela não iria assumir políticas de assistência, não teria esse papel. Mas pode ser uma forma de enfrentar o perfil político anterior”, conclui a pesquisadora.