O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega a Berlim neste domingo (03/12) para uma visita de Estado, acompanhado de uma comitiva de ministros, num novo capítulo da reaproximação entre o Brasil e a Alemanha. Ele será recebido pelo chanceler federal alemão, Olaf Scholz.
Essa será o quarto encontro entre o brasileiro e o alemão apenas em 2023.
Os atuais governos dos dois países mantêm sintonia em alguns temas, entre eles a conclusão do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, cooperação para proteção climática, produção de energia e reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em algumas questões de política externa, no entanto, as posições dos dois governos destoam.
Interesses em comum
Acordo Mercosul-UE
A Alemanha é uma das principais defensoras na Europa do Tratado de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Após duas décadas de negociação, o acordo teve um avanço decisivo em 2019, mas nos anos seguintes novas exigências de alguns países europeus em temas ambientais e o aumento do desmatamento no Brasil sob Jair Bolsonaro travaram a conclusão definitiva.
A Alemanha, com uma economia exportadora industrial e com peso menor do setor agrário, não compartilha da posição de países como França e Irlanda, que explicitaram várias objeções.
Em junho, o Parlamento alemão, onde o governo Scholz conta com maioria, rejeitou a proposta de deputados oposicionistas para renegociar os termos do acordo.
Na atual coalizão de governo da Alemanha liderada pelo social-democrata Scholz, o Partido Liberal-Democrático (FDP, na sigla em alemão) é um dos principais entusiastas do acordo.
Mas, a volta de Lula ao poder também enfraqueceu potenciais resistências de outro membro da coalizão alemã, o Partido Verde. “O que mudou entre 2019, quando a discussão técnica foi finalizada, e agora é a chegada do presidente Lula”, disse o vice-chanceler federal alemão, o verde Robert Habeck, em março.
Nos bastidores, também pesa na decisão alemã de apoiar o acordo o temor de que um fracasso das negociações leve o Mercosul a se aproximar mais da China. Mais recentemente, membros do governo alemão pediram celeridade nas negociações após Javier Milei vencer a eleição presidencial da Argentina, temendo que sua chegada ao poder embaralhe as negociações.
Do lado brasileiro, Lula também tem pressionado os europeus para uma conclusão ao acordo. Antes de desembarcar em Berlim, o presidente teve um encontro às margens da COP28, em Dubai, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para discutir um impulso político final para a finalização do tratado.
Lula e Scholz durante encontro em Nova YorkFoto: Michael Kappeler/picture alliance/dpa
Reforma do Conselho de Segurança da ONU
Nos dois primeiros mandatos de Lula, uma das prioridades da agenda externa do presidente brasileiro foi a defesa de uma ampliação e reforma substancial do Conselho de Segurança das Nações Unidas, cuja composição permanece inalterada há mais de sete décadas, e que inclui apenas as principais potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial: EUA, Rússia, China, França e Reino Unido.
Berlim também defende há décadas uma ampliação do colegiado. Em 2005, Brasil, Alemanha, Japão e Índia formularam em conjunto uma proposta de resolução para ampliar o conselho com seis novos membros permanentes, incluindo os quatro membros do grupo, conhecido como G4, e duas cadeiras para países africanos.
A Alemanha defende sua entrada no conselho, apontando que o país é o quarto maior financiador da ONU e que o colegiado precisa refletir as mudanças geopolíticas que ocorreram desde 1945.
Já Lula, que recentemente voltou a colocar o tema como uma das principais demandas da agenda externa do Brasil, usou seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em setembro, para voltar a cobrar uma reforma.
Preservação ambiental e Amazônia
Após anos de perda de protagonismo ambiental sob Bolsonaro, o governo de Lula prometeu fortalecer órgãos de fiscalização e reverter políticas de desmonte do seu antecessor.
A nova posição brasileira foi vista com grandes expectativas no governo alemão. Em janeiro, em um voto de confiança, a Alemanha anunciou um pacote de 200 milhões de euros (R$ 1 bilhão) para ações ambientais no Brasil, incluindo novos recursos para o Fundo Amazônia.
Os repasses ao fundo de proteção ambiental, financiado pela Alemanha e pela Noruega e formalizado em 2008, durante o segundo governo Lula, chegaram a ser suspensos pelos dois países europeus em 2019, em meio à alta do desmatamento da Amazônia e o governo Bolsonaro promover mudanças unilaterais na gestão do fundo.
Energia e hidrogênio verde
Em um momento em que o Brasil atua para resgatar seu protagonismo ambiental, a Alemanha tenta superar uma crise energética e cumprir suas ambições climáticas.
As duas agendas se encontram no tema do hidrogênio verde (H2V), combustível produzido a partir de energias renováveis e que desponta como aposta para descarbonizar setores que soltam grandes quantidades de CO2, como agricultura, indústria e geração de energia.
O ministro Robert Habeck disse que seu país quer ajudar a construir uma “ponte verde sobre o Atlântico”Foto: Britta Pedersen/dpa/picture alliance
Como a Alemanha não tem condições de produzir hidrogênio verde em quantidades suficientes, o país europeu vê o Brasil como um potencial grande exportador. Após o início da guerra na Ucrânia, a Alemanha também tem atuado para diversificar seus fornecedores de energia, com o objetivo de diminuir a dependência de gás da Rússia.
Nos últimos dois anos, foram lançadas iniciativas de cooperação entre Brasil e Alemanha para a formação de um mercado de produção e exportação de H2V. Até o momento, as principais consistiram no programa H2 Brasil (German / Brazilian Power-to-X Partnership Program) e a organização de uma força-tarefa de produção e logística com a participação de empresas alemães. Em maio de 2022, uma delegação brasileira visitou uma planta de produção de hidrogênio verde no estado alemão de Baden-Württemberg.
A exportação de grandes quantidades de H2V ainda esbarra em dificuldades técnicas. Ainda assim, em fevereiro deste ano, o ministro alemão Robert Habeck falou da intenção do seu país em ajudar a construir uma “ponte verde sobre o Atlântico”.
Posições que destoam
Guerra da Rússia contra a Ucrânia
Após um início hesitante, a Alemanha, que nas últimas décadas havia sido um dos maiores parceiros econômicos da Rússia, passou por uma mudança de curso para apoiar a Ucrânia na guerra de autodefesa que o país trava contra Moscou. Desde então, Berlim não só impôs sanções econômicas contra a Rússia e expulsou diplomatas russos, como também começou a fornecer grandes quantidades de armas para Kiev.
Em junho, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, também realizou um giro pela América Latina, incluindo o Brasil, para tentar convencer países da região a adotar uma posição mais ativa contra as ações da Rússia.
No entanto, em Brasília, a posição em relação ao conflito no leste europeu é bem diferente. O Brasil, que é associado à Rússia como parte do Brics, não aderiu ao regime de sanções.
A Alemanha também tentou negociar com o Brasil a compra de munições para um tipo de tanque de fabricação alemã que o Exército brasileiro tem em seus estoques e que Berlim pretendia repassar para os ucranianos. Brasília negou o pedido.
Entre 2022 e 2023, o Brasil chegou a votar a favor de resoluções na ONU que condenaram a agressão russa, mas tanto Bolsonaro quanto Lula evitaram antagonizar unilateralmente com o regime de Vladimir Putin. A posição brasileira foi alvo de críticas em alguns momentos pelo governo ucraniano.
Em janeiro, após um encontro em Brasília com Olaf Scholz, Lula condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas pouco depois destoou da posição alemã ao afirmar que “quando um não quer, dois não brigam”.
A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, tentou convencer países da América Latina a adotar uma posição mais ativa contra as ações da RússiaFoto: Kira Hofmann/photothek/IMAGO
Conflito Israel x Hamas
O Brasil e a Alemanha também têm adotado posições diferentes em relação ao atual conflito no Oriente Médio, que opõe Israel e o grupo radical islâmico Hamas.
Imediatamente após a ofensiva terrorista do Hamas contra Israel, em 7 de outubro, o governo alemão se apressou em demonstrar solidariedade aos israelenses. Olaf Scholz também fez uma visita de apoio ao país poucos dias após a eclosão do novo conflito. “O lugar da Alemanha é ao lado de Israel”, disse Scholz, invocando ainda a responsabilidade alemã resultante do papel do país no Holocausto, afirmando que ela deixou a Alemanha com “uma missão perpétua de defender a segurança do Estado de Israel”.
Scholz chegou até mesmo a opinar na primeira quinzena de novembro que era contra um cessar-fogo imediato em Gaza, argumentando que uma interrupção poderia ajudar o Hamas a se reorganizar. Autoridades alemãs também têm evitado criticar a forma como os israelenses vêm executando suas operações em Gaza.
Em contraste com a Alemanha, a posição do governo Lula tem sido mais fluida. Brasília condenou as ações do Hamas, mas conforme as tropas israelenses passaram a avançar em Gaza, Lula também elevou o tom das críticas ao governo de Israel. Em declarações públicas, Lula afirmou que “Israel também está cometendo vários atos de terrorismo”.
No final de outubro, quando a Assembleia Geral da ONU finalmente aprovou uma resolução sobre Gaza, a Alemanha optou pela abstenção, alegando que o texto não era suficientemente claro em destacar o direito de Israel de se defender. O Brasil, por sua vez, votou a favor.