Onde está a esquerda europeia em relação à latino-americana?

Onde está a esquerda europeia em relação à latino-americana?

O sempre polêmico Slavoj Žižek, em seu recente ensaio “The left must embrace law and order” (A esquerda deve abraçar a lei e a ordem), compartilha uma grande preocupação com a esquerda política e sua possibilidade de ação atualmente. A esquerda, de acordo com Žižek, não está em posição de capturar ou liderar o momento político de instabilidade violenta que a Europa vive. Diante dessa incapacidade, a esquerda deve apelar para o controle e a lei, ou seja, para o status quo, a fim de evitar cenários piores.

Por algumas de suas posições teóricas, Žižek foi acusado de eurocentrismo, questão explorada por filósofos do Sul Global como Hamid Dabashi ou Walter Mignolo. Portanto, não surpreende que Žižek, apesar de sua análise brilhante, caia em um problema sério. Ele parece acreditar que o que a esquerda europeia pode fazer é tudo o que a esquerda global pode fazer. As experiências latino-americanas podem mostrar que a esquerda global não tem as mesmas limitações que a esquerda europeia.

Desconfiança, decepção e medo na Europa

Os protestos ou revoltas, tradicionalmente organizados pela esquerda, são agora expressões de rebelião da direita mais reacionária. Em seu artigo, Žižek analisa a situação na França, onde o assassinato de um adolescente de 17 anos de ascendência marroquina e argelina desencadeou protestos em massa.

A narrativa da esquerda promove a ideia de uma polícia racista, de que a egalité (igualdade) francesa é uma ficção e de que os protestos são um sintoma e não o problema. No entanto, os manifestantes parecem não ter uma ideologia clara, uma vez que lutam contra a polícia mas também atacam ônibus locais, cruciais para o transporte de trabalhadores das áreas mais pobres de Paris. O resultado dos protestos é incerto. A impopularidade do presidente Emmanuel Macron pode ser capitalizada por uma presidência de Marine Le Pen, candidata da ultradireita francesa.

De acordo com Žižek, os liberais de esquerda invejam o maior ato de rebelião dos últimos anos nos EUA, quando os apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio em Washington D.C. — algo que a esquerda não conseguiu articular. Essa ineficácia significa que o que mais incomoda presidentes como o americano Joe Biden e Macron é a extrema-direita, não a esquerda.

O que Žižek vê hoje com decepção, Hannah Arendt já havia percebido em seu ensaio “On Violence” (Sobre a violência) na década de 1970. Ela pontuou que a rebelião e a violência estavam se desvinculando da esquerda e de sua base de pensamento marxista.

Para o marxismo, a violência precede — mas não causa — mudanças na sociedade. Essas mudanças ocorrem devido a contradições históricas. O marxismo não é um apelo a qualquer tipo de violência. A violência que Arendt viu nos movimentos estudantis do pós-guerra não foi motivada pela consciência de classe, mas encontrou sua causa na desconfiança de todo o progresso tecnológico e na decepção com a política.

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