Por mais de meia década, os mercados globais de títulos de dívida foram embalados pelo enorme apoio dos bancos centrais, que se intensificou durante a pandemia. Agora, o temor é que esse apoio seja removido.
Os mercados globais foram abalados pelos comentários do comandante do Federal Reserve (Fed, banco central americano) de que há risco de a inflação superar as projeções da instituição. Da Alemanha à Itália, as palavras de Jerome Powell, presidente do Fed, provocaram aumento de aproximadamente cinco pontos-base nos rendimentos dos papéis.
À medida que os investidores precificam mais acréscimos na taxa básica de juros nos EUA, o spread entre os rendimentos dos títulos do Tesouro americano com prazos de cinco e 30 anos — bastante sensível à perspectiva de juros — encolheu para o menor nível do ano. Enquanto isso, as métricas de risco de crédito avançaram na Europa e as ações do setor bancário dispararam.
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Os comentários de Powell vieram após a divulgação de dados econômicos que mostraram inflação para 5% nos 12 meses até maio, o que levou os operadores do mercado a precificar mais dois acréscimos na taxa básica de juros até 2023. A principal pergunta agora para os bancos centrais e investidores é se as pressões de preços são sustentáveis ou simplesmente sintoma de efeitos transitórios, como a alta de custos dos combustíveis e a efetivação de gastos represados durante o período de restrição de mobilidade imposto pela pandemia.
“O Fed pode desestabilizar ativos de risco”, disse Peter Chatwell, chefe de estratégia multiativos da Mizuho International. “Este é o Fed de pensamento tradicional, que não vai ficar esperando o acúmulo de pressões subjacentes.”
O Fed pode desestabilizar ativos de risco
Peter Chatwell, chefe de estratégia multiativos da Mizuho
Se o Fed começar a agir, as apostas de aumento nas expectativas de inflação podem se dissipar, de acordo com Chatwell. As projeções do próprio Fed apontam para superação da meta de inflação de 2% nos próximos três anos. O risco é que os operadores de mercado comecem a revisar suas estimativas para cima, criando a possibilidade de uma diferença ainda maior entre as previsões do mercado e do banco central.
O spread entre os rendimentos dos títulos do Tesouro americano com prazos de cinco e 30 anos prolongou um movimento de estreitamento iniciado na quarta-feira, forçando operadores a abandonar expectativas de uma curva de juros mais íngreme. Após a reunião do Fed, estrategistas do Morgan Stanley desistiram da estratégia que vinham recomendando, de aposta na inclinação da curva para embolsar o retorno dos ativos.
O Toronto-Dominion Bank antecipou o cronograma previsto para a retirada gradual de estímulos e aumento dos juros pelo Fed. Os estrategistas agora esperam um anúncio formal sobre a desaceleração das compras de títulos em dezembro de 2021 (antes esperada para março de 2022) e a primeira elevação de juros em dezembro de 2023 (em vez de setembro de 2024).
Embora o banco canadense não contemple uma reação exagerada dos mercados (como ocorreu durante o episódio conhecido como taper tantrum), é provável que as taxas continuem subindo nos próximos meses, segundo relatório escrito pelos estrategistas liderados por Jim O’Sullivan e enviado a clientes.
A reação chegou aos mercados europeus. Métricas do risco de inadimplência nos créditos corporativos do continente subiram no início do pregão. O índice iTraxx Europe, que acompanha os swaps que cobrem calotes em créditos de alto risco, atingiu o maior nível em uma semana.
As ações de instituições financeiras avançaram com a perspectiva de elevação dos rendimentos dos títulos.
Os títulos da dívida pública italiana lideraram o movimento de recuo dos papéis soberanos na Europa, causando aumento de sete pontos-base no rendimento dos bônus com prazo de 10 anos para 0,85%.
Embora o aumento nos custos dos empréstimos na Europa traga a ameaça de aperto nas condições financeiras, o economista-chefe do Banco Central Europeu, Philip Lane, sinalizou que as autoridades talvez não tenham todos os dados de que precisam até setembro para começar a distanciar a política monetária da atual postura ultraflexível.
“É desnecessário e prematuro falar sobre essas questões”, disse Lane nesta quinta-feira em entrevista à Bloomberg Television.