À medida que o país supera a instabilidade jurídica, mercado de M&A tem potencial para impulsionar o desenvolvimento econômico e a criação de riqueza, escreve Heder Bragança
Falar de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) talvez não seja mais uma novidade para muitos empresários. Diariamente, recebemos inúmeras informações sobre movimentações, e o tema já se tornou comum no mundo dos negócios.
Esse mercado busca, dia após dia, impulsionar seu crescimento e competitividade. Mesmo em um cenário pós-pandemia – no qual o mercado mundial de M&A registrou queda de 37% no final de 2022 quando comparado ao mesmo período do ano anterior –, o universo de fusões e aquisições movimentou pouco mais de US$ 3,6 trilhões em todo o mundo.
Em 2023, projeções de mercado esperam superar esses números devido ao reaquecimento da economia. E, pensando nessa realidade em que as tecnologias avançam de forma exponencial com o aumento da concorrência em diversos segmentos, temos um cenário ideal para se colocar em prática as fusões e aquisições. E essa é uma fatia que o Brasil não pode, e não vai, deixar de abocanhar.
O país tem sido palco de diversas transações de M&A nos últimos anos. Uma pesquisa realizada pela KPMG com empresas de 43 setores mostrou que, só em 2022, o Brasil registrou mais de 1.700 fusões e aquisições.
De acordo com a Dealogic, 2023 teve um início morno, com as transações de M&A movimentando um volume financeiro em torno de US$ 6,1 bilhões – o que representa queda de 73% em comparação a 2022. Mas a economia no Brasil está reaquecendo, e as previsões são de, ao menos, chegar ao mesmo patamar do ano anterior. Numa corrida, chegaríamos empatados.
No Brasil, o cenário das fusões e aquisições, tanto nos mercados tradicionais como nas startups, está imerso em um contexto de desafios e oportunidades em constante evolução, e que, em seu resultado final, visam a ampliação de negócios e o aumento da rentabilidade e dos lucros.
Considerando a queda nos aportes em startups brasileiras no 1º trimestre de 2023, bem como a trajetória ascendente das fusões e aquisições como alternativa de captação de recursos financeiros, esse declínio pode dar uma impressão errada sobre a confiabilidade de investimentos no mercado brasileiro, mas não é o caso.
O Brasil se destaca como um mercado atrativo e em crescente desenvolvimento, com um potencial a ser explorado em relação às soluções tecnológicas e inovadoras, principalmente quando analisamos sob a perspectiva sul-americana, ponto que será detalhado adiante neste texto.
Nos mercados tradicionais (como o setor bancário, varejo e energia), as fusões e aquisições têm desempenhado um papel significativo no desenvolvimento econômico do Brasil. Grandes empresas buscam consolidar suas posições e expandir suas operações.
No setor bancário, por exemplo, ocorreram fusões importantes entre instituições financeiras líderes. O caso do Itaú e do Unibanco é um exemplo notável desse movimento, pois criou o maior banco privado da América Latina, resultando em conglomerados financeiros maiores e mais poderosos.
Ou seja, para investir, você precisa ter um olhar apurado do mercado como um todo. Dentro do cenário do mercado tradicional financeiro, têm surgido grandes revoluções na busca por inovações – como foi o caso do Nubank, a fintech brasileira que se tornou o maior banco digital independente do mundo.
Fundado em 2013, o Nubank fez sua 1ª aquisição internacional em julho de 2020: uma empresa norte-americana de consultoria em software, a Cognitect.
No segmento de varejo, as fusões e aquisições têm sido impulsionadas com o objetivo de fortalecer as cadeias de suprimentos, expandir a presença geográfica, baratear o custo logístico e diversificar os portfólios de produtos.
Um exemplo é a aquisição do Pão de Açúcar pelo Grupo Casino, que consolidou a presença da empresa francesa no mercado varejista brasileiro. Porém, grandes players do varejo têm adquirido concorrentes menores para aumentar sua participação de mercado e ganhar vantagem competitiva.
Já no setor de energia, fusões têm sido realizadas para combinar competências técnicas e financeiras, além de aproveitar sinergias operacionais e reduzir custos. A aquisição da CPFL Energia pela State Grid Corporation of China, em 2017, é um exemplo marcante nesse sentido.
Não basta ser um empreendedor, é preciso saber empreender. Ver além e traçar previsões. Quais mercados estão em alta? Quais negócios têm sinergia? Um deles é o da saúde, no qual M&A têm sido uma estratégia comum para buscar sinergias e reduzir custos.
Por exemplo, o dr.consulta, healthtech que oferece consultas, exames e serviços de saúde, recebeu um aporte de R$ 170 milhões em rodada série D, liderada pela Kamaroopin, além de investidores atuais, como Lightrock e Madrone Capital. Essas transações visam combinar recursos, conhecimentos especializados e infraestrutura para melhorar a eficiência operacional e a qualidade dos serviços prestados.
Ao unir diferentes organizações, é possível aproveitar as competências complementares e criar uma entidade mais robusta e abrangente. Um hospital, por exemplo, que adquire uma clínica para integrar seus serviços e compartilhar recursos resulta em uma oferta mais completa e eficiente para os pacientes.
O caso da Rede D’Or São Luiz em fusão com a SulAmérica é um exemplo clássico. Rendeu R$ 412 milhões em redução de despesas, ampliação das estruturas físicas e compra de medicamentos – e isso só no 1º trimestre deste ano.
América Latina
Quando olhamos todos os processos de fusões e aquisições no 1º trimestre de 2023, o número de M&As na América Latina registrou queda de 39%. Ao todo, foram 604 processos, num valor total de US$ 7,9 bilhões.
Mas não é momento de desânimo para a economia, pois as fusões e aquisições podem levar a uma redução de custos. Ao unificar processos e eliminar redundâncias, as organizações podem otimizar suas operações e alcançar economias de escala.
Isso inclui a racionalização de estruturas administrativas, a negociação de melhores acordos com fornecedores e a consolidação de infraestruturas e sistemas de tecnologia da informação. E é essa redução dos custos operacionais que vai fazer com que as organizações tenham respiro e a possibilidade de direcionar seus recursos para melhorar a qualidade do atendimento e investir em inovação.
Olhando para o outro lado, temos o mercado de startups no Brasil, que tem se tornado cada vez mais atrativo para M&A, apesar dos 3 primeiros meses deste ano registrarem uma queda de 86% em novos aportes no país: foram 91 rodadas realizadas ante 306 em comparação a igual período de 2022.
Startups inovadoras e com potencial de crescimento têm chamado a atenção de empresas maiores, que buscam adquirir conhecimento tecnológico, talentos e soluções disruptivas. Essas transações permitem que startups acessem recursos financeiros, conhecimento de mercado e uma base de clientes já consolidada. Essas empresas adquirentes dão saltos largos, acelerando a transformação digital e expandindo a capacidade de se manterem competitivas em um mercado que está em constante evolução.
Ao ampliar o olhar para o mercado de startups no Brasil, é possível observar que determinados setores – como fintechs, saúde digital, e-commerce e tecnologia da informação – têm sido especialmente ativos em fusões e aquisições.
Essas transações impulsionam a inovação, estimulam o empreendedorismo e promovem o crescimento econômico do país, além de resultar em um ecossistema de negócios mais robusto e colaborativo, em que empresas estabelecidas e startups trabalhem juntas para alavancar o desenvolvimento tecnológico e econômico.
Por outro lado, ser escalonável, inovador e atender a uma necessidade real são grandes desafios para o mercado de startups. O Brasil tem a oportunidade de importar tecnologias de países desenvolvidos, adaptando-as à nossa realidade em áreas como educação, saúde, mobilidade, tecnologia, segurança e economia.
Um exemplo notável é a aquisição da empresa de delivery iFood pela gigante de tecnologia brasileira Movile, negócio que fortaleceu a posição do iFood no mercado e permitiu uma expansão mais rápida.
E a razão para que os investidores passem a olhar para o mercado brasileiro é simples: eles encontram soluções já validadas, que podem ser implementadas em nosso contexto. Por exemplo, no 1º semestre de 2022, a Swissnex no Brasil recebeu 3 startups suíças para o Market Validation Camp: MapTiler (ICT), Herby (EdTech), e Comphya (MedTech).
Os resultados já incluem primeiros negócios fechados com clientes para a startup Maptiler, mais de 5 municípios em processo de contratação da solução da startup Herby para suas escolas, um caminho claro para o registro regulatório da Comphya e a realização de um teste clínico para validar seu dispositivo médico com pacientes brasileiros.
No entanto, é importante superar as barreiras de análise prévia e evitar dependência política, focando na validação técnica. A instabilidade jurídica é um fator que pode afastar investidores. Porém, a longo prazo, o mercado de fusões e aquisições tem o potencial de avançar de forma estruturada, impulsionando o crescimento, a criação de riqueza e ainda atendendo às necessidades reais do mercado.
Em termos de tecnologia, quando comparado a países como Estados Unidos, Alemanha, Canadá e Suíça, o Brasil ainda está atrasado. Mas, novamente, é preciso olhar além e enxergar oportunidade onde muitos veem fraqueza. Essa lacuna oferece um potencial significativo para alcançar investidores que entendam que a importação de soluções pode ser um caminho atrativo, pois já viram nesses países os avanços de desenvolvimento tecnológico.
Investidores que já fizeram essa comparação reconhecem o potencial do Brasil em alcançar esses patamares. Além disso, em comparação com outros países sul-americanos, o Brasil se destaca por ter o maior PIB, tornando-o mais atrativo em termos de oportunidades de mercado.
Em suma, o país se destaca como um mercado em desenvolvimento, com um vasto campo a ser explorado em termos de tecnologia e soluções inovadoras.
À medida que o Brasil supera desafios – como a instabilidade jurídica –, o mercado de fusões e aquisições tem o potencial de impulsionar o desenvolvimento econômico, a criação de riqueza e atender às necessidades de uma economia em constante evolução.
É um reflexo da dinâmica do mercado brasileiro, no qual empresas buscam oportunidades estratégicas para fortalecer suas posições competitivas e usufruir dos benefícios da sinergia e da complementaridade.