Após 15 anos, o Brasil foi convidado a participar, em maio, da cúpula do G-7, o grupo das democracias mais industrializadas do mundo. O contraste entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva pesou. Em suas poucas aparições em foros multilaterais, Bolsonaro se destacou por insultar lideranças e gastar tempo papeando com garçons. Lula tem carisma e reputação no campo social, além de saber tocar a corda que soa mais alto no Primeiro Mundo: a causa ambiental. As quatro participações do Brasil foram em seus mandatos e seu prestígio contou para a quinta. Mas superestimá-lo é subverter a ordem dos fatores. O Brasil não irá ao G-7 pela relevância de seu chefe de Estado, mas será representado por seu chefe de Estado pela relevância da Nação.
Ela é a segunda maior democracia do Ocidente, compreende um terço da população da América Latina e quase a mesma proporção de seu PIB. Como potência agrícola e guardiã dos maiores biomas e florestas do planeta, é indispensável para superar dois desafios cruciais: as mudanças climáticas e a segurança alimentar.
Há amplas oportunidades para cumprir, na fórmula do ex-chanceler Celso Lafer, a missão da política externa: traduzir necessidades internas em possibilidades externas. Buscar a derrubada de barreiras comerciais, canais de investimentos, apoio a políticas domésticas de interesse global, como a sustentabilidade da Amazônia e o combate ao narcotráfico, são só algumas delas. Como único representante da América Latina e uma das maiores economias emergentes, o Brasil tem ainda a responsabilidade de buscar uma governança global mais inclusiva, propondo reformas em mecanismos multilaterais ou consensos regulatórios no ambiente digital, na segurança sanitária ou na ordem geopolítica.
Mas justamente nas questões de maior envergadura há o risco de que os ativos de Lula se convertam em passivos para o Brasil. É fácil prever como seu voluntarismo ideológico e apetite por protagonismo pessoal podem desvirtuar sua diplomacia “ativa e altiva” em ativista e arrogante.
Em termos de valores civilizacionais, não deveria haver dúvida sobre o alinhamento do Brasil em meio ao confronto entre o eixo autocrático sinorusso e a frente democrática euro-americana. Mas Lula deixa muitas dúvidas. O premiê do Japão, que presidirá a Cúpula, enfatizou que a guerra na Ucrânia estará no centro dos debates e antecipou dois pontos que os nortearão: o apelo à desocupação dos russos e o engajamento diplomático em um acordo de paz. Lula se propõe a liderar um “clube da paz”, mas só com relutância condena a invasão russa e tem dado tratamento privilegiado a Moscou em detrimento de Kiev.
Independência
O Brasil não precisa abrir mão de seus valores ocidentais para promover seus interesses asiáticos. Mesmo os EUA mantêm vastas relações comerciais com a China. Mas, quando Lula diz que “é com a China que nós temos a maior balança comercial e é junto com a China que temos tentado equilibrar a geopolítica mundial”, mistura temerariamente alhos com bugalhos. Até porque, para ficar na seara econômica, se a China é o maior parceiro comercial do Brasil, a União Europeia (UE) é o segundo e EUA (de longe responsável pela maior parcela de Investimentos Estrangeiros Diretos), o terceiro.
Ambições desmedidas de atuar em conflitos onde o Brasil tem pouco a ganhar e muito a perder podem obliterar possibilidades externas que satisfariam necessidades internas, como o acordo Mercosul-UE ou o ingresso na OCDE – o qual, mesmo a contragosto, Lula deveria ser cobrado a promover. Tanto pior se essas ambições prejudicarem áreas em que o País tem reais condições de liderar, como o meio ambiente.
É hora de botar a bola no chão. Para isso, o Brasil conta com o aparato profissional do Itamaraty e o norte constitucional que sobrepõe a diplomacia a preferências ideológicas e partidárias. Em alguma medida, o País deve a Lula o retorno à cúpula do G-7. Mas, para que os interesses nacionais sejam elevados nela, o presidente precisará, para ficar nas metáforas futebolísticas, “baixar a bola”. (Opinião/O Estado de S. Paulo)