Com crescimento previsto de 3,7% neste ano e 2,6% no próximo, só em 2022 o Brasil voltará ao nível de atividade anterior à pandemia, numa recuperação mais lenta que a do Chile e mais veloz que a do México, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Favorecida pelo ritmo da vacinação e pelo apoio oficial, a economia chilena deve avançar 6,2% em 2021 e superar mais prontamente a perda do ano passado, quando recuou 5,8%. O México só completará o retorno em 2023. Sua recuperação nos primeiros dois anos – 5% e 3% – será insuficiente para compensar o tombo de 8,2% em 2020.
Mas as perspectivas são sujeitas a um “grau extraordinário de incerteza”, enquanto “continua a corrida entre as vacinas e o vírus”, advertiu o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, Alejandro Werner. A rápida vacinação é uma das diferenças a favor do Chile. Ao mesmo tempo, o recrudescimento do contágio no Brasil, no Paraguai, no Peru e no Uruguai, “combinado com a lenta distribuição das vacinas, lança uma sombra nas perspectivas de curto prazo”. O recrudescimento ocorreu também no Chile, mas o ritmo da imunização faz diferença.
A importância da vacinação e o risco de novos surtos da covid-19 têm sido ressaltados nas análises do FMI. O coronavírus e seus imunizantes são variáveis necessárias a todo exercício sério de projeção econômica, mas só recentemente foram incorporados no discurso habitual do ministro da Economia. São temas ocasionalmente citados pelo presidente da República, mas sua atitude normal continua sendo o desprezo aos problemas sanitários e ao direito dos brasileiros de evitar a doença e proteger a vida.
O padrão dominante na maior parte do mundo é muito distante daquele mantido no Palácio do Planalto. Das vacinas à recuperação em V na Europa é o título de um blog publicado há poucos dias pelo FMI. O texto, assinado pelo economista Alfred Kramer, diretor do Departamento Europeu, menciona as novas infecções e o ritmo lento da imunização, mas sustenta a expectativa de uma forte retomada econômica, se as vacinas se tornarem amplamente disponíveis neste ano e no próximo.
Nesse caso, a economia poderá crescer 4,5% em 2021 e 3,9% em 2022. Com isso a Europa voltará ao nível de produção da fase pré-pandemia, mas sem retomar o caminho previsto antes da crise. Sobrarão cicatrizes, num cenário de recuperação com desigualdades entre países, setores e grupos sociais.
Cicatrizes são uma das preocupações citadas com frequência em análises do FMI. O tema aparece também nos comentários sobre a América Latina. A indústria tem reagido mais fortemente que o setor de serviços, e os países mais dependentes de serviços, especialmente do turismo, estão em desvantagem. Além disso, o mercado de trabalho continua frágil.
No Brasil, no Chile, na Colômbia, no México e no Peru, só dois terços dos demitidos no começo da pandemia estavam reempregados no fim de 2020. Além disso, a recuperação foi liderada pelo mercado informal e a renda do trabalho declinou. Nos países com políticas de retenção do emprego (o Brasil é citado) a perda da ocupação foi menos dramática, mas a recuperação também foi lenta.
O aumento da pobreza é apontado como uma das consequências provavelmente duráveis, assim como a ampliação da desigualdade. Outra cicatriz talvez duradoura será deixada pela interrupção da atividade escolar. Na América Latina e no Caribe a suspensão das aulas foi mais prolongada que em outras economias emergentes e nos países avançados. Se nenhuma política de recuperação educacional for aplicada, estudantes atualmente na faixa de 10 a 19 anos poderão ter uma renda, ao longo da vida, 4% menor do que se poderia esperar, segundo técnicos da instituição. Projeções desse tipo, ressalva Alejandro Werner, são muito inseguras, mas perdas serão inevitáveis se faltarem compensações à redução dos estudos. Essas compensações, no Brasil, dependerão dos governos estaduais e locais. O Ministério da Educação deixou de cumprir suas funções quando Bolsonaro se tornou presidente.