Imperialismo: há uma nova Guerra Fria em curso?

Imperialismo: há uma nova Guerra Fria em curso?

Na terceira parte do seminário “A experiência chilena do ponto de vista da esquerda brasileira”, promovido pela Fundação Perseu Abramo na tarde de sábado, 23 de setembro, o debate convergiu para uma perspectiva de futuro, tendo como tema e pano de fundo a ação do imperialismo, ontem e hoje.

Coordenada por Everaldo Andrade, conselheiro da Fundação, a mesa teve participação da geógrafa Iole Iliíada e da cientista política Monica Bruckmann, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O debate pode ser assistido aqui.

Iole, que também é conselheira da Perseu Abramo, afirmou que o imperialismo está mais ativo que nunca, apesar de “o mainstream ter conseguido carimbar este termo como uma ideia equivocada ou, na melhor das hipóteses, superada”.

Revelações recentes sobre o Chile

Iole destacou que, após 50 anos, os documentos secretos estadunidenses sobre o golpe no Chile estão vindo a público e confirmam o que muitos já sabiam: o imperialismo estadunidense fomentou, apoiou e financiou o fim violento da experiência do período Allende.

Entre esses documentos, foi revelado que o ex-ditador brasileiro Emílio Médici e o ex-presidente estadunidense Richard Nixon combinaram ações para derrubar Allende. “Não estamos falando de suposições, teorias da conspiração, mas de uma intervenção documentada”, disse a geógrafa.

Monica, Everaldo e Iole

Na mira de Lula

“O imperialismo está por trás de vários debates atuais: Amazônia, desdolarização das economias, guerra na Ucrânia, disputas com a China, levantes militares na África. E este tema está subjacente aos discursos recentes de Lula mundo afora”, destacou Iole.

Intervenções continuam

“As intervenções são muito evidentes, revelam-se nas sanções econômicas orquestradas pelos Estados Unidos, nas ações militares internacionais também”. Na opinião dela, a atualidade do imperialismo deve ser usada como argumento central no debate político público. “Se há algo que o povo entende é que a intervenção de outros países nos assuntos internos do Brasil e de outras nações atrapalham e comprometem o futuro. Não podemos ter medo de falar em imperialismo”.

Nova Guerra Fria?

Monica Bruckmann afirmou que muitos perguntam se a disputa entre China e Estados Unidos repete a Guerra Fria que opôs os países capitalistas e o bloco soviético.

“Uma Guerra Fria pressupõe duas potências militares equivalentes em poder de fogo. Os Estados Unidos ainda detêm o maior poder de fogo, mas a China iniciou uma corrida armamentista desde 2010, aumentando seu orçamento militar. Enquanto isso, as condições econômicas, extramilitares, estão bastante fragilizadas nos Estados Unidos. A dívida pública estadunidense chegou a 110% do PIB, e 60% deste montante é dívida externa. E a China é o segundo maior credor dos Estados Unidos, atrás apenas do Japão. Então, os movimentos que a China fizer podem interferir na economia americana, não adiante negar”

Declínio americano

Em 2005, os Estados Unidos tinham 23% do produto industrial do mundo. Em 2021, o número caiu para 16%. No mesmo período, a China escalou de 13% para 30% do PIB industrial mundial. “E a China agora disputa tecnologia de fronteira, como o 5G”, lembrou Monica.

Transição hegemônica

“Há um processo de transição hegemônica muito complexo. A China está desafiando os Estados Unidos em várias frentes”, disse. A Nova Rota da Seda é um dos principais exemplos, segundo a professora. 147 países já aderiram ao projeto, 20 deles da América Latina e do Caribe. Isso soma 51% do PIB mundial.

A China e a guerra

“Não creio que a China queira abrir novas frentes de guerra, ao contrário. Ela é signatária dos dez princípios de coexistência pacífica, firmados na Conferência de Bandung, em 1955. E cinco desses princípios foram incorporados pela constituição da China nos anos 1980. Mas a China está aumentando seus investimentos militares”

Mônica destacou que a China hoje responde por 13% dos investimentos militares realizados no mundo. Os Estados Unidos, por 39%. “Devemos lembrar que até 2010, os americanos detinham 50% deste gasto e a China, naquela época, entre 1% e 2%”, advertiu a professora.

Mesmo assim, a participação chinesa no comércio internacional de armamentos é de 5,2%, enquanto os Estados Unidos lideram com 37%, seguidos pela Rússia, com 20%.

Monica Bruckmann fala da crescente influência chinesa. Foto: Sérgio Silva

Índico e Pacífico, novo tabuleiro

Em função dessas mudanças, os dois países elegeram as rotas marítimas e as costas dos oceanos Índico e Pacífico como novo cenário de disputa em alta temperatura. Em Djibuti, país da África Oriental, a China abriu sua primeira base militar fora de seu território. Não longe dali, na ilha britânica de Diego Garcia, os Estados Unidos instalaram a maior base militar do mundo.

Xi Jinping em Davos

Mônica exibiu trechos do discurso proferido pelo presidente chinês em Davos, no ano de 2021, para ilustrar a orientação pacifista pela qual a China quer ser reconhecida internacionalmente. A semelhança de conteúdo com partes do recente discurso de Lula na ONU chama a atenção.

Há espaço para o socialismo?

Questionada pelo moderador Everaldo Andrade se ainda haverá espaço para o socialismo, Monica respondeu: “Os Brics e a China são alternativas na direção do socialismo. A China propõe uma reorganização do capitalismo. No penúltimo congresso do Partido Comunista da China, eles dizem que o socialismo chinês é uma alternativa para o mundo, tirando a capacidade de sedução do capitalismo. Isso pode ser algo demagógico, mas pode também ser uma orientação real de médio e longo prazo. Por exemplo: há mais de dez anos a China vem falando em hegemonia cultural. A academia chinesa de artes tem cada vez maiores orçamentos. A indústria de cinema chinesa já ultrapassou a da Índia. Há cada vez mais cursos de língua e cultura chinesas sendo instaurados pelo mundo. A China cresce como destino de pesquisadores em fase de pós-graduação. E pensem no TikTok, cujo uso foi proibido nos Estados Unidos e depois liberado porque empresas estadunidenses entraram na Justiça contra a decisão”.

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