Segundo presidente do BID, há complementaridade no que a região produz e o que o mundo demanda; mas há desafios sérios
O presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Ilan Goldfajn, diz que o atual momento econômico é dos melhores na história recente para o Brasil e a América Latina. Há demanda crescente para o que a região produz. E a consequência pode ser o fim do ciclo de “décadas perdidas” que a região enfrenta.
Há alguns desafios a serem vencidos para que essa oportunidade possa ser aproveitada. Em entrevista exclusiva ao Poder360 em Washington (EUA), onde fica a sede do banco, Ilan elencou os principais:
- Impaciência da população com os governos;
- Falta de espaço fiscal no pós-pandemia;
- Demandas sociais crescentes.
“Falta [à região] não perder a oportunidade. Investir em infraestrutura, ter projetos, ter as regras do jogo claras, estabilidade. Em vez de ser uma década perdida, como foram tantas, será uma década achada. Você vai achar nesta década a oportunidade para o futuro“, disse.
Ilan participou no último fim de semana do encontro Lide Brazil Development Forum, feito pelo Grupo Lide na capital norte-americana. Além dele, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também participaram.
Ilan disse que a guerra na Europa pode trazer oportunidades para o Brasil e a América Latina. A Ucrânia é dos maiores produtores de commodities do mundo. “Se a percepção é que vai substituir as commodities, substituir os alimentos que estão faltando, que as commodities vão estar em alta, isso vai trazer mais recursos ao longo do tempo“.
Ilan é economista, tem 57 anos e dupla nacionalidade. Além de brasileiro, é israelense. Ele nasceu na cidade de Haifa. Mudou-se para o Rio de Janeiro aos 13 anos. Fez doutorado em economia no MIT (Massachussets Institute of Technology). Atuou em bancos privados, como o Itaú e o Credit Suisse, e em instituições públicas, como o FMI (Fundo Monetário Internacional). Foi presidente do Banco Central do Brasil.
Está no comando do BID desde novembro de 2022.
Fiscal e inflação
O ex-presidente do Banco Central disse que o Brasil e todo o continente agiram rápido para combater a inflação no pós-pandemia. Mas alertou que a reação monetária tem que vir junto do trabalho fiscal.
“O combate à inflação mais eficaz com uma política fiscal na mesma direção“, disse.
Leia trechos da entrevista:
Poder360 – O presidente do Senado prega que o Brasil faça um equilíbrio entre meio ambiente e exploração das riquezas naturais. Como isso impacta as possibilidades de financiamento pelo BID e outros bancos multilaterais?
Ilan Goldfajn – Cada país tem sua soberania para decidir como fará sua transição energética. Alguns países, como os da América Central, tem 80% da matriz renovável. Será mais rápido. Outros vão levar mais tempo. Tem Guiana, Suriname que estão na descoberta. Sob o ponto de vista dos recursos públicos, queremos apoiar a matriz limpa, que nos ajuda a chegar mais perto da meta de país. Vamos trabalhar com os projetos compatíveis.
Não há uma dualidade na mensagem para os investidores e organismos multilaterais?
Os organismos internacionais se adaptam às decisões do governo e usam os recursos públicos onde acham que têm que priorizar. Não é o caso de entrar na discussão local. Há soberania. Mas para usar os recursos, é no que achamos que tem prioridade, que é a transição energética. Vamos financiar energia limpa, hidrogênio verde.
O BID vê o etanol como energia limpa?
Teria que delegar para a minha área técnica para saber se esse especificamente é ou não é. Como presidente do BID, não tenho como saber cada detalhe.
A preocupação fiscal está mais presente no debate global, sobretudo no pós-pandemia. Inglaterra já enfrentou problemas. Hoje, os Estados Unidos começam a ser questionados. Entramos em um momento mais fiscalista?
É natural depois de gastos muito elevados como na pandemia. E isso tem que se consolidar. Está acontecendo no mundo todo. Gastou-se muito, a dívida subiu, tem que estabilizar. E fizeram certo. Tiveram que reagir. Agora, não dá para pensar que você está na pandemia todo ano. Tem choques. Sem falar que o combate à inflação é mais eficaz com uma política fiscal na mesma direção.
Há críticas de que o Brasil levou muito tempo para voltar a subir juros depois que baixaram. Houve demora?
Na América Latina, os presidentes dos bancos centrais reagiram antes e estão saindo antes do resto do mundo [da inflação]. Estados Unidos e Europa ainda estão no processo de aperto. Europa entrou ainda um pouco depois. América Latina está ma frente, depois Estados Unidos, depois Europa. Somos vistos como a região que combateu a inflação antes e sairá antes.
Esses países podem receber mais recursos externos em função dessa agilidade que o senhor menciona?
O que pode trazer mais recurso é a percepção de que a América Latina e o Caribe têm uma complementaridade com o que o mundo precisa hoje. Quando pensam ‘onde vamos investir em hidrogênio verde’? Tem que ser na América Latina. O mesmo com o lítio, o cobre e alimentos? Se houve essa percepção que a região vai se beneficiar dos próximos 10 ou 20 anos, aí o investimento vai vir.
E o que falta para que essa percepção esteja consolidada?
Falta não perder a oportunidade. Investir em infraestrutura, ter projetos, ter as regras do jogo claras, estabilidade. É isso que precisa para maximizar essa atividade. Em vez de ser uma década perdida, como foram tantas, será uma década achada. Você vai achar nesta década a oportunidade para o futuro. Nesta e nas próximas.
E quais são os principais desafios?
Há demandas sociais crescentes, populações impacientes por mudanças. Há mudanças políticas, de um governo para outro, protestos nas ruas, questões sociais. Toda semana há uma questão em algum dos países. O 1º ponto é que a sociedade quer mudança. Pobreza, desigualdade, questões ambientais estão incomodando. Ao mesmo tempo, e esse é o 2º aspecto, temos restrições de recursos. Não há o suficiente para tudo. O espaço fiscal é menor depois da pandemia. Vamos resolver ampliando os recursos, mas a América Latina e o Caribe não têm crescido. São as décadas perdidas. Há demandas crescentes, impaciência e problema fiscal.
Como a guerra na Ucrânia e as disputas dos EUA com a China impactam o fluxo de recursos para o Brasil e a América Latina?
Se a percepção é que vai substituir as commodities, substituir os alimentos que estão faltando, que as commodities vão estar em alta, isso vai trazer mais recursos ao longo do tempo.
O banco dos Brics decidiu entrar em financiamentos de projetos no plano global. Como isso impacta o BID?
Precisamos de recursos de todo mundo. Mesmo se somarmos todos os bancos, a quantidade de empréstimos ficará nos bilhões. Mas precisamos de trilhões. A ideia é se juntar. Temos um grupo de bancos multilaterais que se reúne a cada 6 meses para acompanhar e mobilizar mais recursos. É um trabalho não só complementar, mas necessário.
O BID está ampliando um trabalho de redução nos juros e custos de empréstimos em troca de projetos ambientais. Há algum projeto dessa natureza no Brasil que interessa ao BID?
Você pode pensar no nosso programa Amazônia para Sempre. Poderia, por exemplo, emitir bônus da Amazônia. Bônus temáticos ligados à queda do desmatamento.
O senhor assumiu o BID depois de uma crise de investigação com o ex-presidente Maurício Claver-Carone. O senhor pregou reformas. Como elas estão?
Estamos em processo de mudar a instituição. Temos uma estratégia institucional, de pessoas. A nossa ideia é mudar e deixar o BID focado em impacto, agilidade. As pessoas tem que concentrar não na quantidade de recursos que elas emprestam, mas o que eles geram. Vamos dar um incentivo para que quem pega empréstimo olhe o resultado, e não só fique feliz com o dinheiro.