De 18 a 22 de julho aconteceu em Rondonópolis – MT o 15º Encontro das Comunidades Eclesiais de Base do Brasil. Um verdadeiro Pentecostes.
Francisco de Aquino Júnior – Presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Gente de todos os cantos do país e de outros países da América Latina: lideranças de comunidade, agentes de pastoral, religiosos/as, padres, bispos, membros de outras igrejas cristãs e de outras religiões, militantes de organizações e movimentos populares… Foram dias intensos de convivência fraterna, reflexão e oração sobre os desafios de nossa realidade e a missão de ser “Igreja em saída a serviço da vida plena para todos e todas”. Expressão viva de uma Igreja sinodal: povo de Deus, na diversidade de seus carismas e ministérios, em comunhão ecumênica, interreligiosa e social, a serviço do Reino de Deus no mundo.
Depois de refletir sobre os desafios da realidade (ver) à luz do Evangelho de Jesus Cristo e das primeiras comunidades cristãs (julgar/iluminar), chamamos atenção para alguns desafios e cuidados na caminhada de nossas comunidades (agir):
1. Não desanimar na caminhada
O Concílio Vaticano II e sua recepção na América Latina desencadeou um novo jeito de ser Igreja: Povo de Deus a serviço do Reino de Deus no mundo. É nesse contexto que nascem e se multiplicam comunidades eclesiais de base por todos os cantos de nosso país: fermento/sal/luz de salvação/libertação no mundo. Mas o contexto eclesial atual é muito diferente. Não por acaso, Francisco tem falado tanto contra a auto-referencialidade e o clericalismo na Igreja e tem insistido tanto numa conversão missionária (saída para as periferias) e sinodal (caminhar juntos do povo de Deus na missão). E não por acaso, ele tem encontrado tanta resistência na Igreja. Essa situação pode levar à tentação do desânimo na caminhada: perda do entusiasmo, pessimismo, azedume… uma espécie de depressão eclesial… O desafio aqui é cultivar e irradiar a alegria que vem do encontro com o Senhor e seu Evangelho, mesmo em contexto adverso e como “minorias abraâmicas”. Não esqueçamos nossa vocação de fermento, sal e luz…
2. Não desistir da comunidade
Nossa fé nos reúne e nos faz comunidade. A fé se vive em comunidade. O Concílio Vaticano II recuperou a consciência da Igreja como povo de Deus e a Igreja da América Latina concretizou isso em comunidades eclesiais de base. Mas o fortalecimento do clericalismo nas últimas décadas, aliado à crise do comunitário e à centralidade da subjetividade, acaba tornando a comunidade secundária e até desnecessária na vivência da fé. Em geral, nossas comunidades estão reduzidas a culto, catequese e dízimo, quando não são tratadas como fonte de renda e sustentação da estrutura paroquial. O que menos conta é a vida comunitária e sua missão na sociedade. O desafio aqui é recuperar e cultivar a dimensão comunitária da fé: comunidades geográficas ou ambientais; inspiradas nas primeiras comunidades; lugar e instrumento de fraternidade; abertas a todas as pessoas, sobretudo aos pobres e marginalizados; em comunhão ecumênica, interreligiosa e social; expressão privilegiada de sinodalidade: comunhão, participação e missão.
3. Não banalizar a missão
A Igreja é por natureza missionária. Ela existe para a missão. Mas é preciso ter muito claro qual é a missão cristã. Não se pode identificar a missão com certas atividades pastorais (visitas, missões populares etc.) nem identificar os missionários com quem realiza essas atividades. A missão cristã é mesma de Jesus: “tornar o Reino de Deus presente no mundo” (EG 176). Isso se concretiza na vivência do amor fraterno, no perdão e na reconciliação, na humildade e no serviço aos caídos à beira do cominho, aos pobres e marginalizados. A missão cristã é viver segundo e Evangelho e fermentar o mundo com a força do Evangelho. É um modo de vida. E isso diz respeito a todos os cristãos e se realiza em todos os âmbitos e espaços da vida: família, trabalho, lazer, política, redes sociais, comunidade eclesial etc. Todas as atividades que a Igreja realiza, inclusiva o que se costuma chamar “animação missionária”, devem estar à serviço da verdadeira missão cristã que viver e tornar presente e eficaz o amor de Deus pela humanidade.
4. Não deixar cair a profecia
Enquanto assembleia convocada e reunida pelo Senhor, a Igreja é portadora de sua Palavra no mundo. É chamada e envidada para anunciar, com gestos e palavras, com a própria vida, a Palavra de Deus – também nas horas difíceis e inoportunas. A profecia é a encarnação da Palavra de Deus em contextos bem concretos, particularmente em situações de oposição do projeto de Deus para a humanidade como as situações de injustiça, dominação e marginalização. Não por acaso, a profecia aparece na Escritura sempre ligada ao direito do pobre, do órfão, da viúva e do estrangeiro. Ela tem várias dimensões: denúncia, anúncio, consolo. É exercida de modo individual ou comunitário. Realiza-se tanto no cotidiano da vida, como em situações mais dramáticas e extremas. O desafio aqui é “não deixar cair a profecia”, sobretudo em tempos de neofascismo político e religioso. Nossa reação à extrema direita, ao ódio, à mentira, às armas, à violência, é o compromisso inegociável com os pobres e marginalizados na luta por seus direitos.
5. Não perder a esperança
Os desafios que a gente enfrenta na sociedade e na Igreja muitas vezes criam em nós um sentimento de impotência e descrença na possibilidade de mudança que gera desânimo e desmobilização. Sem esperança ninguém se mobiliza para a mudança. Mas o ser humano é um ser aberto e em construção. Nunca está pronto. Nada nesse mundo é definitivo. Por isso, a esperança sempre brota. Renasce de onde menos se espera. E o fundamento e a fonte de tudo isso é o Espírito de Deus, pelo qual tudo foi criado, que age na vida das pessoas e na história humana, que renova, sempre de novo e a partir de baixo, a face da terra. Ao dito popular “a esperança é a última que morre”, recorda poética e profeticamente Pedro Casaldáliga: “se morrer, ressuscita”. Somos “povo da Páscoa”, povo da Esperança: “esperança do verbo esperançar”; esperança ativa, comprometida, militante; esperança teimosa e perseverante; esperança alimentada nos pequenos passos, no “inédito possível”; esperança processual e a caminho do Reino definitivo…
Tudo isso é muito importante para fortalecer/revitalizar/revigorar o jeito de ser Igreja das comunidades eclesiais de base e enfrentar os desafios que encontramos no dia-a-dia em nossas comunidades, no conjunto da Igreja e na sociedade: Sempre nos passos de Jesus, na força do Espírito, em companhia dos profetas e mártires da caminhada, a serviço dos pobres e marginalizados em suas lutas por direitos e no cuidado da casa comum, a caminho do Reino definitivo de Deus…
Francisco de Aquino Júnior – Presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE; professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).