Foi um começo de ano incomum para a Netflix.
A gigante do streaming perdeu cerca de 200 mil assinantes nos primeiros três meses de 2022, enfrentando intensa concorrência de rivais.
É a primeira vez em uma década que o número de usuários diminui.
Por esse motivo, a empresa disse que vai trabalhar para coibir o compartilhamento de senhas para retomar seu crescimento.
A Netflix também foi afetada por aumentos de preços em alguns mercados e por sua retirada da Rússia em resposta ao conflito com a Ucrânia.
E a perda de assinantes pode não terminar aí. A plataforma também alertou seus acionistas sobre a probabilidade de outros 2 milhões de usuários debandarem nos próximos três meses até julho.
Após a notícia, as ações da empresa caíram 25%, resultando em uma perda de US$ 30 bilhões em valor de mercado.
“Nosso crescimento de lucros desacelerou consideravelmente”, informou a Netflix aos acionistas na terça-feira (19/4), após publicar seus resultados do primeiro trimestre.
“Nossa penetração relativamente alta de lares ? incluindo um grande número deles compartilhando contas ? combinada com a concorrência estão criando ventos contrários para o crescimento de nossos lucros”, acrescentou a empresa.
Ação contra o compartilhamento de senha
A Netflix estima que mais de 100 milhões de lares estão quebrando suas regras ao compartilhar senhas.
O chefe da empresa, Reed Hastings, chegou a dizer no passado que essa prática é “algo com o qual você precisa aprender a conviver”, acrescentando que muito disso é “legítimo” entre os membros da família.
A empresa também garantiu que isso pode ter ajudado seu crescimento, trazendo mais usuários.
No entanto, nesta terça-feira, Hastings mudou o discurso e agora afirma que o compartilhamento de senhas estava dificultando a captação de novos assinantes em alguns mercados.
Medidas para evitar essa prática foram testadas em regiões como a América Latina e agora podem ser estendidas a outros países, cobrando mais de quem descumprir as regras.
“Quando estávamos crescendo rápido, isso não era uma prioridade (compartilhamento de contas). Agora estamos trabalhando muito nisso”, diz Hastings aos acionistas.
Lucas Shaw, que escreve o boletim Screentime para a agência de notícias financeiras Bloomberg, disse à BBC que o compartilhamento de senhas era um problema para a Netflix “há muito tempo”, mas não era de forma alguma seu maior desafio.
“Parece que a empresa está tentando identificar uma área de potencial crescimento”, disse Shaw ao programa de rádio Today da BBC.
“No passado, eles tentaram combater o compartilhamento de senhas e não foram bem sucedidos”, acrescentou.
Êxodo de assinantes
A última vez que a Netflix teve um “saldo negativo” de assinantes em um trimestre foi em outubro de 2011.
Apesar disso, a empresa continua sendo a líder mundial em serviços de streaming. Possui mais de 220 milhões de assinantes, mas o alto número de novos usuários durante a pandemia “borrou as perspectivas” de seu crescimento.
Analistas explicam que os consumidores estão reduzindo suas assinaturas para economizar e porque se sentem sobrecarregados com o volume de conteúdo disponível.
A Netflix também enfrenta intensa concorrência de serviços como Amazon, Apple ou Disney, que investiram pesadamente em seus serviços de streaming online.
Paolo Pescatore, analista da PP Foresight, disse que a perda de assinantes foi uma “verificação da realidade” para a Netflix, que está tentando equilibrar a retenção de usuários com o crescimento do lucro.
“Embora a Netflix e outros serviços tenham sido fundamentais durante os confinamentos, os usuários agora estão pensando duas vezes devido à mudança de hábitos”, afirmou Pescatore.
A América do Norte, em particular, “está agora inundada com muitos serviços em busca de poucos dólares”, acrescentou.
Invasão da Ucrânia
A decisão da Netflix de se retirar da Rússia por causa da guerra com a Ucrânia custou 700 mil assinantes, revelou a empresa.
Outras 600 mil pessoas cancelaram seus serviços nos Estados Unidos e Canadá após um aumento de preço.
A empresa aumentou os preços de todos os seus planos nos EUA, com um plano básico aumentando de US$ 9 para US$ 10 por mês e um padrão de US$ 14 para US$ 15,50.
Segundo a Netflix, o crescimento de assinaturas estava “de acordo com as expectativas” e, apesar dos cancelamentos, acabaria gerando mais dinheiro.
As receitas aumentaram quase 10% em relação ao primeiro trimestre de 2021, para US$ 7,87 bilhões.
Mas, frente ao mesmo período, o lucro caiu 6,4%, para US$ 1,6 bilhão.
À medida que tenta crescer, a empresa diz que está focada nos mercados internacionais e também procura trazer publicidade aos seus serviços.
Hasting disse que está “bastante claro” que os serviços de publicidade estavam funcionando para a Disney e a HBO.
“Esses fãs da Netflix sabem que sou contra a complexidade da publicidade e que sou um grande fã da simplicidade da assinatura. Mas por mais fã que eu seja disso, sou ainda mais fã de escolha do consumidor”, disse ele. Hastings.
Do ‘caminho de rosas‘ ao futuro instável
Análise de James Clayton, repórter de tecnologia da América do Norte
A Netflix, como muitas outras empresas de tecnologia, teve um impulso durante a pandemia.
As pessoas correram para a empresa de streaming e parecia que nada poderia dar errado.
Mas vários fatores combinados estão criando o ambiente mais difícil que a Netflix enfrentou em uma década.
Primeiro, a empresa parece não encontrar uma maneira de impedir que os usuários compartilhem senhas, algo de que vem se queixando há anos.
O aumento da concorrência de rivais como Disney+ e Apple TV também tornou o mercado extremamente competitivo, ao mesmo tempo em que a Netflix aumentou o preço de sua assinatura.
A empresa culpa sua decisão de sair da Rússia por seu crescimento global negativo, e isso é tecnicamente verdade.
Mas a Netflix também espera perder mais assinantes no próximo trimestre, então não se trata apenas da Rússia.
E com a crescente crise do custo de vida para muitos, o futuro da Netflix, que parecia promissor há alguns meses, agora parece instável.
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